quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Apresentação

A Aventura de Maria Lacerda
Harry Laus

Um antigo baú forrado de couro numa sala de apartamento de Copacabana foi o ponto de partida para o nosso conhecimento com Maria Lacerda.

Em 1964 esse baú estava cheio de desenhos inéditos de Ismael Nery. Como colunista de arte do "Jornal do Brasil" naquela época, começamos a divulgar a obra de Ismael como um dos precursores do modernismo no Brasil, enquanto Maria, até então funcionária pública, iniciava nova profissão: "Marchand de Maison". Visitando colecionadores do Rio e de São Paulo - ela própria foi casada com um colecionador carioca - ao mesmo tempo que colocava sua mercadoria familiarizava-se ainda mais com a arte selecionada das coleções particulares.

Em 1966 Maria Lacerda comprou um cavalete, telas e tintas, sentou seu corpo exuberante (pesa 120 quilos) numa cadeira de jacarandá e descobriu que sua mão também poderia produzir formas e cores. Uma parada militar, meninos soltando pipas, crianças indo à escola foram alguns temas da primeira fase, pintados lentamente nas poucas horas de folga entre uma e outra viagem.

A alegria das cores, a ingenuidade das cenas e a liberdade de composição começaram a chamar a atenção para essa pintura de principiante. Mas em 1968 Maria parou de pintar: dirigindo uma galeria de arte no Rio, a "Voltaico", e viajando constantemente, não lhe sobrava mais tempo para contar histórias.

A descida do primeiro homem na Lua, no ano passado, reconvocou Maria Lacerda para o serviço das cores. "A Procissão dos Astronautas", pintado ainda sob a forte emoção do feito americano, abriu a fase mais recente. Agora a tela é maior, as cores mais ousadas, o assunto mais amplo, direto, sem subterfúgios. Homenageando Santos Dumont ("O Grande Balão"), imaginando uma simétrica procissão aquática ("O Senhor dos Navegantes") ou recriando o ambiente de uma casa comercial ("Loja de Tecidos"), ela demonstra grande força imaginativa, sensibilidade na escolha das cenas e, às vezes, bastante ironia na caracterização da figura humana ("O Grande Concílio").

Com 47 anos, três filhos e os quilos muito bem alimentados - ela é tambén excelente cozinheira - Maria resolveu mostrar a arte que faz com suas lembranças e apurado senso crítico, depois de muita indecisão e recusa a diversas propostas. Coube à Galeria Oca a oportunidade de montar a primeira individual de Maria Lacerda. Aos rxpectadores caberá o prazer de descobrir as qualidades não citadas nesta crônica de apresentação.

Harry Laus
Rio, agosto, 1970